Textos / Texts


Um artista em P&B

Estar diante de uma obra do artista plástico F. Rafael não significa apenas conhecer uma faceta da recente produção de arte contemporânea pernambucana, mas também mergulhar no mundo individual do artista. Através das representações de peças de xadrez, o hobby predileto de F. Rafael, dados, crucifixos e cálices – figuras recorrentes nas obras do artista –, aliado às palavras que fazem alusão ao amor, à morte, à saudade e à amizade, F. Rafael transmite, em preto & branco, visões pessoais acerca de sentimentos, opiniões e situações do cotidiano. O traçado simples e a pluralidade de temáticas abordadas em cada obra do artista levam o espectador a dedicar mais do que poucos segundos para interpretar cada elemento, fazer associações entre as figuras e, a partir disso, formar uma opinião sobre o que o artista quis mostrar. Longe de ser uma atividade cansativa e desgastante, a análise de uma obra de F. Rafael, cujo significado não pode ser captado com um simples lance de olhar, constitui-se numa tentativa instigante de entender a relação que há, ou não, entre os elementos representados na tela. Atuando como artista plástico há cerca de sete anos, F. Rafael têm-se destacado gradativamente na cena artística pernambucana, seja quando participa de salões de arte alternativos, quando expõe em conceituados espaços culturais e galerias ou quando participa de eventos do circuito maistream de arquitetura e decoração. Esse destaque é resultado, além da qualidade técnica e estilística do artista, da forma plural como ele circula em diferentes meios artísticos consolidados ou do circuito alternativo.

Fabiana Maranhão
JORNALISTA

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NA PRÓPRIA CARNE

Na PrópriaCarne é uma exposição de forte crítica social, assunto recorrente no trabalho de Fábio Rafael. No arranjo das obras, ele faz com que os visitantes vejam-se nos objetos expostos assumindo a sua função, enquanto esses são ressignificados pelo tema. A proposta é provocar a reflexão sobre a mesquinhez e o conformismo humano dando alfinetadas sobre a vulnerabilidade das pessoas e o descaso pelo outro, numa sociedade egocêntrica e capitalista. Que discurso e escolhas fazem os cidadãos e qual a conseqüência dos atos e não atos desses indivíduos, que num efeito dominó, interfere na vida do coletivo. O uso de objetos cotidianos, aproximando realidade e representação simbólica e não descritiva, mexe com a consciência das pessoas ao mesmo tempo em que coloca o artista em xeque. Isso porque seu processo criativo parte de escolhas simbólicas, com um ponto de vista bem particular, que podem reforçar ou contradizer seu discurso a partir da leitura e da interferência dos visitantes em suas obras. Numa visão mais ampla, essas escolhas, apesar de basearem-se na situação mais próxima do cidadão brasileiro, tornam-se universais pelo próprio tema, considerando que as questões abordadas se repetem, com maior ou menor intensidade em qualquer sociedade. As referências estéticas de Fábio Rafael ficam evidentes ao longo da exposição. O visitante poderá ligar seus trabalhos aos ready-made dadaístas, sementes lançadas nas duas primeiras décadas do século XX e que agora frutificam na estética contemporânea. Identifica também a influência do artista Joseph Beuys, que apesar de fazer parte da pop art já indicava os caminhos da arte conceitual, base para a produção que compõe esta exposição.Enquanto obras conceituais, elas possuem a idéia, sintetizada no título, como ponto chave para a sua compreensão, apresentando um jogo simbólico complexo, que tenta ser visceral, mas que por não ter a intenção de chocar e sim de questionar, suaviza-se mantendo uma estranheza perturbadora.

Edneide Torres
CURADORA

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Fábio Rafael
Artista Plástico e Design atua profissionalmente desde 2001 no campo das artes plásticas, F. Rafael busca sua formação por meio de cursos independentes de arte e do acompanhamento de artistas em atelier. Já participou de exposições nacionais e internacionais. Desenvolve trabalhos em diferentes linguagens, como: pintura, desenho, gravura, objetos, fotografias e performance. Atualmente sua pesquisa se concentra na linguagem do desenho que une signos lingüísticos (a palavra) e grafismos simbólicos como forma de expressão de vivências afetivas.

Carol Andrade
JORNALISTA


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Relacionar-se satisfatoriamente é um dos maiores desafios para os indivíduos no mundo atual, sobretudo – como indicado pelo sociólogo Zygmunt Bauman – diante do forte impacto causado pela moderna fluidez que caracteriza esta era. Entre outras idéias, relacionamentos teriam hoje ares de relações de consumo, rejeitando a preservação em favor da troca (sem garantia de devolução do seu dinheiro).
Em Quase Amor, um conjunto de obras com procedimentos nítidos e relações diretas - por vezes com o uso explícito de palavras chave - traz com clareza algumas reflexões advindas de buscas por dar sentido às experiências de se relacionar.
Entre as mais claras, uma das concepções de amor que aparecem é a do amor institucionalizado, relacionamento que foi socialmente afirmado, afinal, o casamento, a família e mesmo a tradicional carta de amor são manifestações convencionais. Esse olhar não deixa de ser carregado de insegurança e, talvez, até pessimismo. A fé depositada nessa institucionalização do amor como possível engrenagem que opera sua manutenção é pouca. Vislumbra-se tanto situações de ruptura que produzem um furor de papéis rasgados, como outras onde o desejo é consumido (e consequentemente descartado) e no lugar do amor fica apenas o quase.
Vemos também outros momentos do percurso de se relacionar: com a mesma carga de incertezas, aparecem referências ao sofrimento da antecipação, cuja força mostra que o ápice da excitação pode ser vivido muito antes do amor, focalizando o ainda não realizado. Para redução da ansiedade, surge a tentativa de definir o amor, de compará-lo a outros fenômenos, de colocar em palavras. A empreitada é declaradamente defeituosa.
Uma vez estabelecidos os relacionamentos, a insegurança se manifesta diante da sensação de um precário equilíbro entre o eu e o outro. O que se constrói a dois pode, a qualquer momento, ser quebrado. Bauman propõe que essa sensação tornou-se mais intensa justamente com a flexibilização das relações pessoais. Mesmo com eventuais ares de reacionário (percebidos por uma interpretação mais do que nas suas palavras), suas constatações atiçam a determinação dos apaixonados.
Lembremos, por exemplo, da idéia do amor como investimento, também apontada por Bauman, que gera o receio da falta de retorno e perda do capital investido. Aqui, a imagem análoga, não menos incômoda, é a do jogo de sorte (ou azar) figurada nos dados, onde os indivíduos apostam sem garantia de retorno. O relacionar-se é tratado como uma estimativa de perdas e ganhos e não mais o estabelecimento do vínculo. É preciso lembrar que se o chamamos de jogo, devemos descartar as noções de vitória e derrota. Entretanto, se (influenciado pelo sociólogo) apresentei alertas das dificuldades, a idéia dos artistas na tentativa de falar sobre o relacionar-se não visa enfatizar tanto os obstáculos, mas justamente o “apesar deles”: vale a pena se arriscar, vale a pena se apaixonar, vale a pena ir em frente. Não me cabe avaliar se o valer a pena vem da necessidade de conectar-se para descartar mais adiante, vivendo apenas os momentos iniciais na expectativa de que o vínculo já aconteça pronto e sem esforço, mas vale a pena (com o perdão da repetição) refletir a respeito. Tal como posto com simplicidade por Bauman, a partir de Platão: “Não é ansiando por coisas prontas, completas e concluídas que o amor encontra seu significado.” A noção do relacionamento como construção paulatina nos permite crescer para além do arrebatamentos iniciais e, com a adição de coragem, os indivíduos caminhamos de frente para o desconhecido – único prospecto possível na atividade de amar.
O Quase Amor do título, por fim, diz respeito não bem à falta ou perda do amor, mas à impossibilidade desta empreitada concreta (em forma de exposição) de dar conta do amor, de tornar material e partilhável essa experiência. O que, naturalmente, não impede de tentar.

Felipe Quérette
CURADOR


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Os artistas plásticos, F. Rafael e Mozart Santos, que formam o grupo Coletivo, abriram no dia 17/04, às 19 horas, no Sesc de Casa Amarela, a exposição “Quase Amor”. A vernissage apresentou ao público, com tema comum e obras distintas na técnica e execução, um realidade afetiva e sarcástica sobre a impossibilidade de metrificar e quantificar, o tamanho e a intensidade das relações. Na noite de abertura houve também duas performances, uma do grupo de samba feminino "SAMBADEIRAS" e outra do artista Mozart Santos.
A dupla selecionou peças com elementos/ações criados por cada um deles procurando gerar diálogos com o meio e modificando artisticamente o espaço no qual a exposição está inserida. Esta iniciativa acontece no sentido de integrar a produção plástica contemporânea às questões pertinentes da relação entre arte e sociedade.
            Assim, em “Quase Amor” tanto as recentes pesquisas em linguagem experimental como as novas possibilidades de exposições em locais não convencionais foram trabalhadas e nesse caso, o bairro popular de Casa Amarela completa o contexto, uma vez que entra para garantir a difusão da arte nos subúrbios.
            OBRAS – Com percepções e visões diferentes, F. Rafael e Mozart Santos ora dialogam, através das obras, sobre a busca imaginária de um amor perfeito, mas desde já com a consciência que nenhuma relação amorosa é completa e muito menos perfeita; como também se “distanciam” na maneira, ainda primaria de concepção do próprio trabalho de caracterizar os sentimentos.
Enquanto Mozart tem uma percepção romântica e esperançosa dando margens ao imaginário do amante, F. Rafael parte do cotidiano, e lança questionamentos como também aposta nas mensagens subliminares, brincando com frases populares e idéias profanas.
            Um dos trabalhos foi, inclusive, criado em dupla. Esse é caso do “Dado” - uma aplicação de um adesivo preto numa coluna de 70x244cm onde a imagem foi esticada até o teto, tornando-o distorcido, assim como muitas vezes os sentimentos.
            Ainda dentro das “possibilidades de distorção”, a idéia convencional de “Carta de Amor” se transforma, nas mãos de Mozart Santos, e ganha o formato de caixa com letras soltas no interior, possibilitando montar aquilo que se precisa ler.
            Já “Família”, do mesmo autor, aparece como uma caixa de veludo com dois quebra-nozes e uma noz e embaixo de cada uma delas, respectivamente, as palavras "eu” e "você", e embaixo da noz, o “noz” como um trocadilho, tentando mostrar que há grande tendência de "eu" e/ou "você" quebrar o "noz".
         
            Dentre as obras de F. Rafael, uma parede, com 10m de comprimento e 2m de altura, coberta com pinturas em papel chamará longo a atenção dos visitantes. A obra sugere um grande quebra cabeça e a idéia de “caos”, já que na verdade são trabalhos pequenos reunidos com frases soltas e desenhos bem carregados nas cores.
            Há também um pequeno texto pendurado sobre amor solitário, e em outro ponto da galeria a metade de um coração que repousa sobre um espelho, alcançando o complemento visual com o próprio reflexo.

Carol Andrade
JORNALISTA